"Viver é como escrever sem corrigir" António Lobo Antunes
Há uns meses, publicámos uma série de opiniões relativas ao profissionalismo no volei de praia. De entre várias questões abordadas, gostaria de trazer à memória alguns temas que agora poderão parecer mais pertinentes, uma vez que o volei de praia português está “no activo” e que têm a ver, essencialmente, com a partilha da experiência, com as tomadas de decisão e com a liderança.
Em primeiro lugar, focaria a vossa atenção para a importância dada à partilha da experiência como sendo um factor decisivo para um investimento de sucesso e, consequentemente, para a evolução de um projecto (seja ele no volei de praia ou em qualquer outro sector).
Hoje reforço essa ideia com a opinião de que se essa experiência puder ser partilhada no contexto (em vez de ser uma narrativa oral e/ou escrita após o evento) terá mais impacto e, consequentemente, poderá ter mais valor.
Frequentemente, penso no (pequeno/grande) investimento que está a ser feito no volei de praia português e na forma de como está a ser usado para o sucesso dos projectos vigentes.
Há um investimento da federação na organização de um campeonato do mundo sub-19 e de um europeu sub-18 nos quais estiveram presentes atletas que, na sua maioria, representam também a selecção nacional de voleibol. Sendo assim, ainda que o resultado conseguido no europeu por uma dupla feminina tenha sido excelente (vice-campeãs), o seu aproveitamento parece ser mínimo (não é conhecido um plano a médio/longo prazo). Apenas há a certeza de que continuarão a integrar a selecção de voleibol. Ou seja, o objectivo é a participação.
Da mesma forma, a federação investe na participação da World Cup (via paralela ao World Tour para apuramento para os JO) com quatro duplas (duas feminino e duas masculino), mas sem treinador (ninguém a apoiar antes, durante e após a competição), pelo menos até ao momento, e sem grande preparação para a competição (selecção e preparação das duplas, estudo dos adversários, etc.). Ou seja, o objectivo é a participação.
Há um investimento pessoal de algumas duplas séniores (feminino e masculino) na participação no World Tour. Esse investimento (pessoal, temporal, financeiro e de conhecimento dos meandros da modalidade) exige ser partilhado (integração de novos atletas e novos treinadores nesse contexto, dando a conhecer o contexto – pessoas, estrutura, rotinas, as melhores etapas para participarem, local para treinar extra-competição, alojamento mais barato, número de duplas participantes, etc.) de forma a serem evitados os mesmo erros e a aproveitarem o conhecimento existente, beneficiando de uma integração mais harmoniosa e fluída nesse contexto. No entanto, o que acontece é que esse investimento morre porque não existem novos projectos e quando surgem, a sua entrada é brusca, causando (quase) sempre ruptura. Ou seja, o objectivo é a participação.
Enquanto o objectivo for a participação (e ponto final) é difícil observar evolução dos projectos no volei de praia português.
É de consenso geral de que o voleibol e o voleibol de praia se complementam (como quaisquer outras modalidades), uma vez que aumentam o reportório motor/mental dos jovens.
Não é de consenso comum, no entanto, de que jogar numa selecção de praia e na semana seguinte jogar na selecção de voleibol seja benéfico, quer para a evolução do jovem numa das modalidades, quer para a evolução da própria modalidade.
Penso também que já ninguém partilha a opinião de que um atleta sénior consegue atingir a excelência no voleibol de praia, jogando duas modalidades (voleibol e voleibol de praia), tendo em conta o desgaste físico e mental a que está sujeito (para além do facto de não se conseguir especializar em nenhuma delas).
Sendo assim, podemo-nos centrar na segunda questão relativa ao profissionalismo e que tem a ver com as tomadas de decisão, nomeadamente, com a capacidade de fazer parar um processo que é inadequado. Reis Castro, treinador tetra-campeão mundial de voleibol de praia referiu no seu artigo de opinião que:
“Quem é profissional se planeja, se importa com os impactos sobre o quê lhe cerca e sobre quem lhe cerca, entende o que significa ganhar ou perder.
Simplesmente percebe que é importante trabalhar pelo bem comum, pelo resultado para todos, pelo espírito de equipe e claro, sabe parar ou fazer parar um processo que é inadequado, seja este o que for.
Desta forma, as pessoas entendem que você é um aliado e sabem que podem contar com você como um colaborador, e por mais intenso que seja o seu ponto de vista é sempre para que haja apoio, solução, crescimento, e por isso sempre será muito bem vindo.
Ser profissional não é passar a mão na cabeça, mas é demonstrar o “norte”, seja este fácil de encontrar ou nem tanto assim.
É não esperar que todos lhe considerem especial por você considerar que tem excelência, mas que respeitem o seu posicionamento, por merecimento.
Demonstrar-se profissional depende muito mais do que você constrói ao longo de sua carreira do que a exposição que você tenha por um processo ou outro.
O processo da construção é a parte mais difícil, porque é povoado de experiências, de situações de maior ou menor sucesso, de acertos e erros, mas que no final das contas é positivo porque você se manteve íntegro e focado em seus valores pessoais.
O que importa é você sentir-se bem por se manter em você e não ter seguido tendências, pessoas ou opiniões por serem mais ou menos convenientes.
Demonstre-se profissional seguindo os seus valores, se importando com os outros e fazendo sempre a sua parte para construir.
Mantenha-se incansável, sem contar que os outros estão vendo e aprovando o que você faz.
O fundamental é que você mesmo veja e aprove o que faz, mantendo-se íntegro independentemente do que lhe cerca.
Ser reconhecido por demonstrar na atitude o seu profissionalismo é atingir a excelência do resultado no mundo dos negócios.”
O terceiro e último tema apela à capacidade de liderança dos atletas de voleibol de praia como factor essencial para a evolução da modalidade.
Leonardo Lourenço, treinador de duas duplas – alemã e austríaca – que disputam o circuito mundial e europeu de voleibol de praia - falou sobre esse tema no seu artigo de opinião:
“Quando se é um leigo e se pensa em voleibol de praia, automaticamente inclui-se o voleibol. Comparemos então a evolução dos dois esportes: Enquanto no voleibol geralmente tem como respaldo um clube, uma federação e patrocinadores de peso que arcam com as despesas e contratam a comissão técnica, no voleibol de praia geralmente vemos os atletas contratando seus treinadores, buscando patrocínios...Isso tudo além do trabalho pesado do dia a dia, os treinos físicos, técnicos.
É uma situação que se torna desgastante para o atleta, para a comissão técnica, enfim, para todos que estão trabalhando naquele time. Óbvio que isso também passa pela personalidade de cada um dos envolvidos (..).
Desta forma, o vôlei de praia vem se assemelhando mais ao tênis, esporte tradicional e secular, que movimenta milhões em dinheiro por ano, no qual seguramente é mais fácil de se arcar com uma comissão técnica, devido também ao maior investimento de patrocinadores. Mas como ou por quanto tempo os atletas do vôlei de praia irão arcar com essas despesas, sendo que o retorno deles é infinitamente inferior?”
Desejar ou sonhar ser profissional de voleibol de praia exige um enorme investimento do próprio atleta (e/ou, numa fase inicial, dos pais). Desejar ou sonhar sê-lo em Portugal, exige uma transcendência para a qual muito poucos se mostram mental e financeiramente disponíveis.
Brasil - Rio Grande do Norte - Genipabú
Há 4 anos
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